...Um feijão de óleo de palma com mucoco executado na própria panela de barro comido com farinha e banana e um vinho ou com pirão e um carapau grelhadinho... Fernando da Trindade Jordão (Éfe da T. Jota) - Preito a heróis sem medalha |
Infância perdida (para o Miau) Nesse tempo, Edelfride, Com quatro macutas A gente comprava Dois pacotes de ginguba Na loja do Guimarães. Nesse tempo, Edelfride, com meio angolar a gente comprava cinco mangas madurinhas no Mercado de Benguela. Nesse tempo, Edelfride, montados em bicicletas a gente fugia da cidade e ia prás pescarias ver as traineiras chegar ou então à horta do Lima Gordo no Cavaco comer amoras fresquinhas. Nesse tempo, Miau, (alcunha que mantiveste no futebol) nós fazíamos gazeta da escola coribeca e íamos os quatro jogar sueca debaixo da mandioqueira. Era no tempo em que o Saraiva Cambuta batia na mulher e a gente gostava de ver a negra levar porrada. Era no tempo dos dongos da ponte dos barcos de bimba dos carrinhos de papelão Como tudo era bonito nesse tempo, Miau! Era no tempo do visgo que a gente punha na figueira brava para apanhar bicos-de-lacre e seripipis os passarinhos que bicavam as papaias do Ferreira Pires que tinha aquele quintalão grande e gostava dos meninos. Era no tempo dos doces de ginguba com açúcar. Mais tarde vieram os passeios noturnos à Massangarala e ao Bairro Benfica. E o Bairro Benfica ao luar O poeta Aires a cantar (meu amor da rua onze e seu colar de missangas...) Tudo era bonito nesse tempo até o Salão Azul dos Cubanos e o Lanterna Vermelha - o dancing do Quioche. Foi então que a vida me levou para longe de ti: parti para estudar na Europa mas nunca mais lhe esqueci, Edelfride, meu companheiro mulato dos bancos de escola porque tu me ensinaste a fazer bola de meia cheia de chipipa da mafumeira. Tu me ensinaste a compreender e a amar os negros velhos do bairro Benfica e as negras prostitutas da Massangarala (lembras-te da Esperança? Oh, como era bonita [essa mulata...) Tu me ensinaste onde havia a melhor quissângua de Benguela: era no Bairro por detrás do Caminho de Ferro quando a gente vai na Escola da Liga. Tu me ensinaste tudo quanto relembro agora Infância Perdida sonhos dos tempos de menino. Tudo isso te devo companheiro dos bancos de escola isso e o aprender a subir aos tamarineiros a caçar bituítes com fisga aprender a cantar num kombaritòkué o varre das cinzas do velho Camalundo. Tudo isso perpassa me enche de sofrimento. Diz a tua Mãe que o menino branco um dia há-de voltar cheio de pobreza e de saudade cheio de sofrimento quase destruído pela Europa. Ele há-de voltar para se sentar à tua mesa e voltar a comer contigo e com teus irmãos e meus irmãos aquela moambada de domingo com quiabos e gengibre aquela moambada que nunca mais esqueci nos longos domingos tristes e invernais da Europa ou então aquele calulu de dona Ema. Diz a tua Mãe, Edelfride, que ela ainda me há-de beijar como fazia quando eu era menino branco bem tratado quando fugia da casa de meus Pais para ir repartir a minha riqueza com a vossa pobreza. Diz tudo isso a toda a gente que ainda se lembra de mim. Diz-lhes. Diz-lhes grita-lhes aos ouvidos ao vento que passa e sopra nas casuarinas da Praia Morena. Diz aos mulatos e brancos e negros que foram nossos companheiros de escola que te escrevo este poema chorando de saudade as veias latejando o coração batendo de Esperança, de Esperança porque ela a Esperança (como dizia aquele nosso poeta que anda perdido nos longes da Europa) está na Esperança, Amigo. Edelfride, você não chore saudades do Castimbala nem lhe escreva cartas como essa que são de partir meu pobre coração. Nesse tempo, Edelfride, Infância Perdida era no tempo dos tamarineiros em flor... Ernesto Lara Filho (O Canto de Martrindinde e Outros Poemas Feitos no Puto) 1964, Lisboa |